domingo, 28 de outubro de 2012


Dias nublados

É sexta, a cidade e os odores da manhã. Vejo jovens advogados, empresários, engenheiros acompanhados de seus pais prestes a se aposentar. Pais também advogados, empresários, engenheiros. Entram nos bancos, em lojas de aparelhos eletrônicos. Atravesso a XV. O vento às vezes é um leve beijo de mãe. De quem descendo, não tento fugir. O destino não feito alguém que esperasse o troco. Nem mesmo sei se tenho saudades dos familiares. Aos poucos foram saindo de cena, expulsos da vida para dentro da terra. Assim será com todos: terra ou fogo. Em nosso caso, terra. Cana, milho, batata, isso, terra, sobrevivência. No Natal vendíamos leitões encomendados. E galinhas ajudavam ao longo do ano. Galinhas a ciscar aqui, ali, sem dar para o fato que engordavam para cumprir sua fatalidade de destino para além do galinheiro junto da polenta. Somos nós os humanos, alguns, um tanto galinha, outros mais para polenta. E leitões. Logo abatidos. Penso morte e a imagem que se faz é a do sol qual uma manta a escorregar lentamente de suas pernas conforme recua o entardecer na direção da noite que vem se colocando em pé. Breno ancião. Levantada e saída de seu corpo mole, como se de uma dessas experiências da projeciologia, a esperança o olhasse criticamente, à distância. Isso, a esperança e o cachorro, ambos ao lado do vô Breno, vigiando o seu ócio. E este cheiro, de qual dos três? Do velho-sopa? Do cachorro, da esperança? Horas e horas de silêncio, nem sequer os seus vá bene, vá bene, a si mesmo, segurando pela asa a xícara de ferro, vazia, no colo. Até que, como se voltando à vida novamente com sua voz grave, estragada, a abalar o silêncio
está esfriando, Bona, melhor a gente entrar.
Com dificuldade levanta seus cento e vinte quilos e entra na casa, o cão e a esperança atrás. Então penso esperança: sobrevivência. Sobrevivência, penso terra. Terra: enterro.

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